segunda-feira, 23 de maio de 2011

Açucarado

    Os solos a derrubam e os fios finos estremecem em luzes, num deleite forte e concreto. A serenata é deveras um pouco mais do que esperava, eles sempre surgem com essa mania incansável de suprir pobres expectativas.... ai, se todos fossem tão incríveis, e se a pausa do carrossel fosse tão delicadamente feroz como se faz. O brilho dos balões compactua com mais um entardecer sem causa e o que era motivo vira desculpa, e todas as desculpas são razões, ainda que bobas, todas razões para caírem em valsa. Tudo é apreço aumentado, se quer para si quem se admira e se o convívio anti-idolatrar o ser que se confunde em superioridade trata-se logo de arranjar algo mais grandioso para cair numa confusão razoavelmente mais agradável, mais plausível, junto da incerteza... Ah, mas isso... Isso não vem ao caso! basta invadir os olhos dela depois da serenata. O mundo achado. O desapego perdido. Tudo as mil.

                                                                           Andreza Reis.

sábado, 21 de maio de 2011

Chegar junto

    Viu o garoto das palavras, sentado ali. O sono perdido traduzia perfeitamente a ânsia de encontrá-lo, a visão de um mundo íntimo, particular, minimalista, de dois, só dos dois, restrito unicamente aos sonhadores banalmente rotulados de extintos, mas ainda existentes. A leveza das mãos dissolveu-se numa luz límpida e doce, tão açucarada quanto os lábios sincronizados em grito de guerra pelo amor, por saber cuidar com delicadeza da felicidade permanente que os perseguia, que sempre os perseguiu. O vento que provocou repulsa foi o mesmo que cantarolou no ouvido dela o "sim" do "corre atrás, na frente, do lado, por todos os cantos"... É fácil admitir que o vento tem razão, porque se toda a força fosse da natureza intervir com dedos melados de incerteza seria erro inadmissível, seria não existir, ainda bem que o ar em movimento sopra e suga, ainda bem que o ar em movimento é antimonotonia como os cadarços trocados por Maria e Joaquim, desde os cinco... Ou talvez ainda na maternidade.

                                                                           Andreza Reis.

Evaporar

    Escrevo com um medo imenso de rabiscar e não viver, temendo o fim do futuro que espero, antes mesmo do ponto de partida. Cuidei-me e ando me ajudando como posso, mas a invasão que se concretiza em mim toma toda a liberdade de estar bem e o poder de propagação de um conceito miúdo chamado felicidade. Quero adoecer e adormecer só, quero curar-me só, devo achar que é castigo e depois pedir perdão à minha própria mente por ter caluniado o meu eu sem pena e sem justa causa. Ah, quanta desconfiança, quantas fraturas expostas que só eu sou capaz de ver... Que pena de mim, que martírio por não ter feito diferente, um pessimismo atordoado vai digerindo o que me resta, me fazendo sofrer devagarzinho e cada sopro apaga uma vela que jamais se acenderá novamente. Cavem e me esperem, me esperem muito, muito mesmo. Não pretendo facilitar o meu caminho e chegar ao seu querer, minha vontade é minha, unicamente minha e o que me move agora é um negócio miúdo como a felicidade e talvez muito mais forte, falo de esperança... Enquanto existir que seja clichê,  que seja de verdade a última a morrer.
                                                                                                                             Andreza Reis.

domingo, 15 de maio de 2011

O Beijo para sempre

    Nasci o retrato da burguesia infeliz, resultado da intelectualidade mal construída, plutocrata desgostoso, nasci de carne, ossos e lataria já oxidada.

Traguei a fumaça duma fábrica desconhecida, lembro-me de gritos, bocas incessantes implorando piedade, gritando por um deus que merecia ser descrito em letra minúscula.

Vi placas estranhas, fotos utópicas, tudo tão distante da realidade que me acompanhava que me surpreendi ao ver filas interessadas naquilo que deveras era tão descartável.

Temi um homem que ficava em uma caixa, ele parecia real e me dizia como eu tinha que ser, ao mesmo tempo me manipulava, me achava feio, desajeitado, falava que eu estava fora de um grupo chamado "padrão", ah, mas eu corri! corri até quase ser pego por um bicho estranho e grande, que produzia uma fumaça parecida com a da fábrica.

Deitei-me numa grama verde, minha cabeça desconfigurada suplicava por conteúdo, e eu lá, vivendo do caco, no oco da escuridão imensa, insuportável ventre vazio chamado de mundo.
 
Ah, como me decepcionei! ah, como vi homens confundirem-se com cédulas...
 Não suportei.
Morri ao nascer.
Nasci ao morrer.

                                                                      Andreza Reis.



quarta-feira, 6 de abril de 2011

Cabaret Voltaire

Gostinho de amarelo.
Molhando os olhos numa areia pálida e indivisível.
Vai saindo e cegando possibilidades negativas.
Encontrei uma banana elétrica. Panquecas.
Vou dormir na escuridão fluorescente, bailando de tonto.
Dadaiando por aí, perdendo ainda mais o non-sense que já tenho.
Queridinha, não o deixe acompanhadamente sozinho.
Ele não quer sua essência, quer a fórmula.
Cair equilibradamente devagarzinho numa fonte límpida de insensatez.
Esse é o nosso fraco, Otávio.
Vai maldizendo a beleza da bondade e provando pitadas de café amargo.
Assim é que se vai perto.
Cinema, ela não faz.
Depois dessa viagem vem uma estrada.
Teoricamente eu gostaria de quilometrar essa nossa imobilidade mórbida.
É tarde.
Teletransporte é como um amigo confortavelmente compreensível a atrasos.

                                                                    Andreza Reis.